segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Não é preconceito: é só meu gosto!

Tenho em meus círculos sociais um cara, que chamarei aqui de Narcisista Iludido, que reclama de estar solteiro e que as pessoas o procuram somente para sexo. Contudo ele é um cara daqueles que faz academia, utiliza anabolizantes e posta foto sem camisa no Instagram/Facebook com mensagens de reflexão na legenda da foto. Obviamente, o povo curte não a mensagem, mas a foto e o que ele consegue com essa postura é mais convites para sexo do que necessariamente alguém interessado em namorá-lo. Mas, para piorar, quando ele recebe uma interação que demonstre um interesse em um relacionamento mais duradouro, o Narcisista Iludido repete aquele discurso tão difundido de "não sou e não curto efeminados". Se alguém o acusa de preconceito, ele se defende dizendo que não sente tesão por pessoas efeminadas e que um relacionamento sem tesão não daria certo. E que, portanto, é uma questão só de gosto e não de preconceito!

E ele não está sozinho! "Não é preconceito: é só meu gosto!" é uma das frases mais usadas por quem diz que "não é nem curte efeminados", quando são confrontados por alguém que diz que seu gosto reflete um preconceito e uma discriminação.

O problema é que pessoas que dizem isso nunca questionaram a grande "coincidência" desse ser um tipo de gosto tão comum no universo gay em que vivemos. Tomo por base as ocasiões em que eu afirmo me sentir atraído fortemente por homens efeminados: em geral, a simples revelação do meu gosto pessoal choca o ouvinte que, geralmente, discorda de mim e acha "muito feio" ou "esquisito" essa galera efeminada linda do meu Brasil. Por que existe uma esmagadora maioria com gosto semelhante e apenas alguns "divergentes" da norma? Por que a fala de alguém que aprecia efeminados gera uma reação de choque na maioria dos ouvintes? Eu só consigo ver uma explicação: um preconceito chamado de homofobia!

Mais uma vez, eu gostaria de quebrar essa associação maluca que as pessoas têm de que uma pessoa homofóbica, racista ou que tenha qualquer outro tipo de preconceito discriminatório é uma pessoa má, que faz aquilo de forma consciente. Não! A vida prática é diferente das novelas e uma pessoa nunca é só boa ou só má. Nós somos mais complexos que isso! Na maioria dos casos, a pessoa está tão imersa na nossa cultura racista/machista/homofóbica/whatever que não consegue ver que ela reproduz um absurdo (tanto que aquilo lhe soa como algo "natural").

É preciso que a gente entenda: o tal do gosto é uma mistura da nossa individualidade, da nossa trajetória pessoal e de uma bagagem cultural que recebemos. E a cultura influencia MUITO em nossos gostos pessoais! Não acredita? Bem, talvez seja interessante pensar em como os padrões de beleza se alteraram ao longo da história acompanhando as mudanças culturais de cada época. Ou pensar nos padrões de beleza em culturas diferentes da nossa e perceber que os nossos modelos de beleza seriam considerados feios em tais culturas.

Outra coisa: por que a necessidade de se afirmar "não efeminado"? Qual a raiz disso? Homofobia internalizada, óbvio! O Narcisista Iludido é desses que fica preocupado se está "rebolando demais", se está "agindo de forma muito efeminada"... Uma neurose sem fim! Se afastar do modelo de feminino e se aproximar do modelo de masculino, na maioria das vezes, reflete a homofobia internalizada e nada mais que isso. É tão claro isso que não sei como deixar mais óbvio!

Porém, mesmo tendo uma ligeira noção de que padrões de beleza são moldados por ideologias sociais vigentes, ainda tem muita gente que continua a repetir a frase "não sou, nem curto efeminados" como um mantra a ser perpetuado, afinal é só gosto! Não, galera! Não é só gosto! Um gosto nunca é "só gosto". Se não fosse a nossa sociedade machista/racista/homofóbica ditando um padrão do que é ser um "homem" e o que é ser uma "mulher", talvez o nosso padrão de homem atraente (e até mesmo o de mulher atraente) fosse bem diferente do que é hoje...

Na prática, esse tipo de discriminação preconceituosa é ruim para ambos os lados. Os alvos da discriminação (efeminados) perdem com um diminuto número de pretendentes a ter qualquer tipo de relação amorosa/sexual. Mas também perde quem discrimina, pois o seu preconceito limita suas possibilidades de conhecer alguém interessante e que se tenha uma afinidade/compatibilidade para qualquer tipo de relação amorosa/sexual.

Mas, o que fazer se alguém percebe que o próprio preconceito o limita? Bom, assumir o próprio preconceito já é um importante passo. Reconhecendo a existência dele em si mesmo permite que a gente lide melhor com a situação, na medida em que gera a possibilidade de escolha entre combater o próprio preconceito internalizado ou aceitar as consequências de ter uma vida limitada pelo próprio preconceito.

Quem escolhe a primeira opção, além de ter a chance de fazer um grande bem para si, demonstra grande solidariedade ao combater um preconceito que é muito mais danoso ao outro que a si mesmo. Quem escolhe a segunda opção, além de amargar a perda de novas possibilidades, deve, no mínimo, se policiar para impedir a externalização daquele preconceito (o que geraria mais uma fonte de um modelo discriminatório/homofóbico que tanto mal faz aos outros - e a si mesmo também).

Combater a possibilidade única imposta pela sociedade é respeitar outras pessoas e expandir o nosso próprio universo.


Homem atraente (= tatuagem no rosto) na cultura da tribo dos maoris (Nova Zelândia - Oceania)
Mulher atraente (= pescoço longo) na cultura da tribo dos karenis (Mianmar - Ásia)




Homem atraente (= lábios alongados por um disco) na cultura da tribo dos botocudos (Brasil - América)


Mulher atraente (= ter cicatrizes) na cultura da tribo dos karo (Etiópia - África)

6 comentários:

  1. Interessante sua colocação mas não comungo com sua percepção pois, acho-a um tanto quanto radical ... para mim pode existir sim o "gosto pessoal" sem qualquer conotação preconceituosa ... o meu gosto pessoal não aceita para uma relação sexual o tipo efeminado assim como não aceita o tipo machão ... meramente gosto pessoal ... sem qualquer questão preconceituosa, pois sou amigo íntimo de muitos machões e muitos efeminados ...

    Beijão

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    1. Eu não disse que não existe "gosto pessoal" e que tudo é a cultura quem determina. Eu disse que a cultura influencia e MUITO no gosto pessoal e que, por isso, vale a pena nos questionarmos até que ponto aquilo não tem influência cultural...

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  2. Rapaz,

    Eu já vi tanta treta por conta disso!!! Assim, desconstrução de preconceitos é algo muito complicado e eu achei que você foi muito feliz na forma como fez o teu texto. Confesso que no começo eu tinha problemas com isso, hoje eu sei que foi muito mais pela forma como as pessoas me apresentaram isso do que exatamente com a ideia, que com o passar do tempo - apesar de ainda ter alguma resistência, eu passei a entender melhor.

    Mas muitas vezes as pessoas chegam "acusando" os outros de serem assim ou assado e é meio complicado ser colocado na vala comum. Hoje eu tenho um entendimento que me permite entender e atende tentar apresentar essa ideia para os outros...

    Mas é complicado! Show de bola esse texto!

    Grande abraço.

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    1. Sim, entendo exatamente o que vc disse, Latinha! Meu objetivo não é acusar ninguém de nada. Apenas gostaria de propor uma reflexão...

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  3. Eu vejo essa questão da seguinte forma:

    Desde muito cedo, crescemos sabendo que ser gay não é algo positivo, e sem nenhum referencial, que mostre o contrário. Crescemos reprimindo nossa sexualidade, reprimindo qualquer traço, que a evidencie. Gays afeminados, não conseguem fazer isso, e desde muito cedo, a orientação sexual se torna evidente para os demais.

    O gay afeminado é o referencial do que é ser gay para a sociedade, por ser o mais explícito, e ao mesmo tempo detentor de inúmeros adjetivos negativos e uma masculinidade de segunda classe, inferior. Logo, relacionar-se com um gay afeminado é deixar evidente que você é gay, mas como crescemos sem nenhum referencial do que ser gay é positivo, naturalmente tendemos a ocultar isso, e juntamento a esse medo surge a necessidade de salientar em forma “gosto” a famosa frase: “não sou e não curto afeminados.” E muitos a reproduz, sem dar-se contar que estão negando a si mesmo, numa tentativa de “hetetosexualizar-se”, seguindo um modelo de comportamento que a sociedade nos quer impor, em que temos que permanecer ocultos. Tentativas falhas de livra-se da homofobia, ironicamente a perpetuando, indo na contramão de todas as lutas travadas até hoje para mostrar que existimos.
    É um medo muito difícil de ser desconstruído, como você expôs, fazer um gay enxergar, que esse posicionamento sobre afeminados é homofobia é uma batalha.



    Parabéns pelo texto e pela sensibilidade.

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