Uma vez no ensino médio, minha professora de filosofia fez uma dinâmica que me trouxe um resultado curioso. A atividade consistia em afixar nas costas de cada aluno uma folha de papel A4 em branco presa por um pedaço de fita crepe. Todos os outros colegas deveriam escrever nesta folha uma opinião sobre a pessoa que, obviamente, não via o que estava sendo escrito em suas costas. Isso dava a oportunidade de cada um ser o mais sincero possível ao relatar o que pensava sobre o colega porque, ao final, já não dava mais pra saber quem havia escrito o que. A minha folha terminou essa experiência recheada de opiniões contraditórias do tipo "transmite muita alegria", "é uma pessoa muito triste", "muito maduro pra própria idade", "um eterno moleque"...
Lembrei disso porque eu estava lendo o texto do Gato Van de Kamp no qual ele reflete sobre a construção de um dos aspectos de sua identidade e fiquei pensando que fazer o mesmo pra mim é sempre uma missão complexa. O fato é que, sempre que eu tento me definir numa identidade, esbarro na questão de que talvez o que me defina seja a mudança, uma busca.
Eu sou um processo e um filme me retrataria melhor que uma foto. Minha identidade é extremamente dinâmica. A começar pela bissexualidade: quem me conheceu em uma determinada época da vida e me viu namorando uma mulher talvez não imaginaria me ver hoje casado com um homem. E o contrário também já aconteceu. Sou alguém que se entrega de corpo e alma ao momento e, por isso, posso passar uma impressão tão marcante em momentos tão opostos como de uma pessoa símbolo da tristeza ou da alegria.
Essa fluidez confunde um pouco as pessoas, já que eu me permito transitar por caminhos amplos sendo, ainda sim, coerente comigo mesmo e com o que eu sinto e acredito. Quem não acompanha a minha jornada pode não entender quando foi que a história mudou de rumo... Porém, plagiando um mestre, eu não vim pra explicar, eu vim pra confundir!
Outra explicação possível seria a herança do que eu aprendi com meu pai que, como diria Raul Seixas, sempre foi uma metamorfose ambulante. Eu seria, assim, herdeiro de uma busca por si mesmo. Aprendi com ele a tentar me encontrar e percebi, vendo que ele nunca se encontrou, que eu nunca me procurei onde eu sempre estive: dentro de mim. Na verdade, talvez eu nem soubesse o que eu tanto procurava e por isso me afeiçoei tanto por ser um mosaico que me dilui em mim mesmo. Mas creio que isso não se sustentaria nessa fase na qual me sinto tão eu mesmo, tão senhor de mim.
Minha única certeza quando olho a construção da minha identidade é que hoje me enxergo como nunca e sei que sou apenas um cara comum, que gosta de ser comum. Eu sou aquele trilha os próprios passos, querendo aproveitar cada gosto e cada cor de cada momento que se revela. Eu sou aquele que se permite se deixar levar pelo vento, não porque não tem a firmeza de ser o que é, mas porque se sabe pluma e está consciente de que a própria beleza está na liberdade de plainar solto pelo ar, mas sem deixar de exibir as cores que lhes são próprias. Sou um filhote de leão que veio ser rei de si mesmo. Sou um sujeito de sorte, vivendo minhas venturas e desventuras. Sou, hoje, minha própria estrela e minha própria luz.
“Eu sou aquele que se permite se deixar levar pelo vento, não porque não tem a firmeza de ser o que é, mas porque se sabe pluma e está consciente de que a própria beleza está na liberdade de plainar solto pelo ar...” Lindo, muito lindo isso! Se não for o melhor, esse é um dos melhores escritos seu! Eu me identifico com muitas das coisas que você falou. Eu penso que todos somos mais filme que foto, especialmente quando queremos, pois existem pessoas que se contentam em ser foto e isso acaba sendo muito triste. Ser uma história a se refazer constantemente... talvez seja o grande segredo que, descoberto, nos traz muita calma.
ResponderExcluirSei lá, Cesinha. Acho que o foco era outro...
ExcluirEnfim, abraços!
""Eu sou aquele que se permite se deixar levar pelo vento, não porque não tem a firmeza de ser o que é, mas porque se sabe pluma e está consciente de que a própria beleza está na liberdade de plainar solto pelo ar, mas sem deixar de exibir as cores que lhes são próprias.""
ResponderExcluirEsse paragrafo diz tudo. Você é tudo de bom CC... você é especial, alguém bom para se abraçar, nos faz sentir queridos, aconchegados. Tudo porque vc sabe quem é, e vive sem compromisso com estereótipos... enfim, vive livre.
Beijos querido.
Ai, meu Dewlss! Assim eu explodo! rs
ExcluirBeijos!
Parece que eu e o Doc gostamos do mesmo parágrafo...ele te define.
ResponderExcluirPs: Adoro Belchior.
Coincidências, né? e o Belchior é ótimo! Eu também amo!
ExcluirO texto é tão bonito, ve-lo de alguma forma usado pra hipocrisia me irrita um pouco, pk é tão verdadeiro, né??? Tão de dentro...
ResponderExcluirMas eu fico feliz que minha reflexão tenha gerado isso tudo e devo dizer que a mesma clareza que vc admirou ter visto no meu texto eu tb vi no seu.. E fico feliz q esse seja o fim da historia.. Que no fim de tudo vc tem conseguido se sentir mais firme, mais estável diante de si mesmo... Dono de si, inclusive de sua inconstância...
As pessoas levantam muita bandeira a favor da inconstância, mas eu acho que ser absolutamente inconstante só é bonito em poesia... O caminho pra felicidade tem muito de se conhecer, saber das suas potencialidades, limites e trabalhar bem com essas dinâmicas... Nesse sentido acho, inclusive, que um blog é muito elgal..
Escrever nossas impressões e memorias é uma forma de olharmos a coisa de fora, de cima... Um espaço quase que terapêutico.. Ainda bem que a gente caiu no mesmo grupo de auto ajuda.. rs
Beijos
É isso aí, gato! Reconhecer a constância no meio da inconstância é preciso! aliás, se reconhecer é sempre bom!
ExcluirBeijos!
O que dizer? Belíssimo texto!
ResponderExcluirObrigado, queridão!
ExcluirAndo tão gordo que não posso me dar ao luxo de ser levado pelo vento...
ResponderExcluirbjs
Aff... Eu não estava falando da pedra, né?
ExcluirSempre tive para mim mesmo a idéia de q o SER ideal é aquele q se define como uma metamorfose ambulante ... sou assim ... q bom vc tb ser assim ... isto para mim é ter vida plena ...
ResponderExcluirbjão
Mas é preciso se encontrar em alguma coisa também, né?
ExcluirBeijos!
Reflexão muito consciente. Parabéns! Acredito que não seja muito fácil deixar que esses pensamentos voem de dentro da gente para o mundo. Muito bom mesmo!
ResponderExcluirBeijos.
Oi carinha, blz?
ResponderExcluirMais uma vez parabéns pelo texto belíssimo.
Eu tenho algumas reflexões.
Você não acha que no fundo tudo é uma questão de custo x benefício? Que no fundo quando mudamos é porque o benefício de mudar é maior que o custo de manter? (sob a ótica de cada um , obviamente).
Penso que a gente tem aspectos da nossa personalidade aos quais nós nos agarramos, para que isso forme um conjunto de características que nos define, ou seja, a nossa personalidade mesmo.
Acho que no geral, as pessoas tem essas características, mesmo que não estejam conscientes dela, porque precisamos nos diferenciar, precisamos dizer "a que viemos". Até mesmo quando nos definimos como alguém em constante mudança, essa é uma caracteristica nossa. É como se disséssemos: em mim a única constância é a mudança!
Por outro lado, acho que temos características, digamos assim, periféricas , que temos maior liberdade de mudá-las. Isso ocorre em função mais uma vez do custo x benefício da nossa sobrevivência. Eu posso não gostar de uma determinada marca de carro, mas é a que cabe melhor em meu orçamento, e por conta disso eu "mudo" um conceito pra me adaptar. Talvez a palavra certo pra isso seja exatamente essa, adaptação.
Fechando o que eu penso, desculpe se ficou confuso, to super cansado, mas eu vejo cada pessoa, como alguém que tem maior ou menor flexibilidade em mudar determinados aspectos de si mesma, mas sempre levando em conta a boa convivência com seu mundo interior e exterior, sempre pesando custo e beneficio de mudar ou de manter.
Bjs queridão e adoro muito o que vc escreve, sempre !!!
Robson / SJCampos.
Nossa, vc disse muito do que eu penso... e achei super claro, seu cançaso não atrapalhou em nada!
ExcluirObrigado por estar sempre por aqui!
Beijos!
Fico feliz pq vc está são e salvo e forte tá?
ResponderExcluirsemana q vem te dou um bjo.
Vou cobrar o beijo! rs
ExcluirOlha, uma delícia ler este teu texto. E pensei muito em uma coisa no teu texto, no nome do teu blog. Pareceu mais perfeito do que nunca. Parece que vc encontrou teu pote de ouro e está dividindo um pouquinho com todo mundo que vem aqui.
ResponderExcluirDaí só me resta agradecer!!!
Eita! Eu é que tenho que agradecer! ^^
ExcluirLeões sempre estão a espreita da caça! Se a caça é vc mesmo, melhor ainda para vc e para quem tem o prazer de ver uma alma se desdobrando e se transformando a cada presa cacada!
ResponderExcluirVai que o seu caminho é de ouro!
Que lindo isso! Obrigado, queridão!
ExcluirSempre tive esta mesma sensação angustiada sobre mim. Que minha essência seria o movimento. Mas não sinto isso de forma abstrata, idealizada...isso é muito concreto, como se fosse um TOC às inversas, uma imensa dificuldade de criar um hábito ou seguir um ritual ou uma rotina. O que acaba me trazendo imensos prejuízos... pelo menos, a idade e a força das repetições compulsivas, como jornada de trabalho acabaram me colocando no chão. Hoje também só quero alegria em acordar e viver mais um dia...
ResponderExcluirToca aqui, SUA LINDA! o/
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