quinta-feira, 19 de julho de 2018

Sobre apagamento bissexual, gírias bissexuais e unicórnios

Um mecanismo ideológico muito forte que ajuda a manter as opressões em nossa sociedade ocidental é o binarismo. O binarismo divide o mundo em duas faces ou dois elementos supostamente opostos e distintos. Bem e mal, dia e noite, masculino e feminino, bonito e feio, esquerda e direita, luz e sombra... Na opressão, é preciso que exista dois grupos bem definidos: os privilegiados e os oprimidos. Quem ganha e quem perde. Dividir tudo em apenas duas possibilidades ajuda a reforçar o sentimento de "nós contra eles" que existe numa discriminação. Fica mais fácil discriminar o outro se não há nenhuma possibilidade de identificação entre eu e ele, porque identificação pode gerar compaixão. Por isso o binarismo serve muito à estrutura de uma opressão, porque ele descreve sempre o outro como diferente e oposto.

Vivemos em uma sociedade monossexista, ou seja, que discrimina bissexuais, pansexuais e outras identidades monodissidentes. E, para o monossexismo valer, é preciso que se negue a existência de qualquer possibilidade diferente de heterossexual ou homossexual. Por isso, a existência da bissexualidade é negada. Nossa sociedade alimenta a crença de que "bissexuais não existem", que "bissexualidade é só uma fase" (e não uma identidade tão válida quanto a heterossexualidade e a homossexualidade) e outras ideias que invalidam a identidade bissexual porque representamos o perigo do rompimento do binarismo hetero-homo. Porque colocamos em cheque a completa distinção entre as identidades deste binário. Por isso, existe o apagamento bissexual. É preciso negar a existência da bissexualidade para manter o monossexismo.

Há uns dois anos mais ou menos, surgiu um meme que propunha a criação de gírias genuinamente bissexuais. Seriam gírias que misturariam um pouco do universo hetero e um pouco do universo homo, brincando com a noção de que bissexualidade é ser metade hetero e metade homo. Não demorou muito pra borracha do apagamento bi dar as caras e dizer que tais gírias seriam, na verdade, algo que agradaria tanto a heteros como a homos (ótimo desserviço, Buzzfeed! Ficou uma merda!)...

O mesmo fenômeno vejo acontecer com o símbolo do unicórnio. O unicórnio é um dos símbolos usados pelo movimento bissexual de diversas línguas e nacionalidades (como se pode ver aqui, aqui e aqui). É uma crítica de que, se bissexuais não existem, então somos unicórnios. Tem a ver também com o fato de bissexuais serem raros (somos minoria na comunidade LGBT). Há também uma gíria para mulheres bissexuais, que são chamadas de unicórnios por alguns casais fetichizadores. O unicórnio já era ligado à bissexualidade e a seres hermafroditas na cultura chinesa tradicional e na alquimia. Por todos esses motivos, o unicórnio é um símbolo bissexual, sim. Mas gays e lésbicas e até mesmo heteros estão se apropriando dessa simbologia ultimamente. É a borracha do apagamento bissexual atuando, mais uma vez.

Por isso, nós bissexuais lutamos e resistimos a cada dia. Para que não apaguem nossa existência. Para que tenhamos o nosso lugar.

Um comentário:

  1. Sabe quando a gente passa muito tempo sem encontrar alguém, parece que esqueceu e quando entra no blog e lê o que a pessoa escreve, percebe que nunca estiveram longe? Pois é amigo, é isso que senti hoje. Que propriedade na escrita. Que clareza de argumento.

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