quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
E precisa mesmo da PLC 122?
Estava lendo o blog do Don Diego e achei esse texto muito bacana. Vou publicá-lo aqui no meu blog tb.
É um texto do colunista João Ximenes Braga no Caderno ELA do jornal O Globo deste sábado, 27 de novembro
Luz Fria
Luz branca não favorece ninguém, não há pele que resista a tamanho choque de realidade. Sobretudo se a lâmpada for quebrada em seu rosto, de repente, do nada.
Sim, estou falando de uma das vítimas dos quatro jovens que saíram da balada — só assim me digno a usar esta palavra — às seis da manhã e entraram num dia de fúria homofóbica em plena Avenida Paulista.
O mais curioso deste episódio foi a posição do advogado de um dos beócios. Quando os pimpolhos foram soltos (da primeira vez), o doutor Orlando Machado disse que não houve um ataque homofóbico.
— Eles atacaram e foram atacados, foi uma questão de uma briga (sic), não uma agressão. O motivo da briga foi uma ameaça ou uma agressão ou uma paquera que um deles teria recebido — disse Machado na TV.
Como é que é? Uma agressão OU uma paquera? Devo ter entendido errado. Voltei o vídeo várias vezes no youtube, a conjunção que ele usava era essa mesma: “Ou”.
No fundo, ele queria dizer que tanto faz. Vindo de um gay, uma paquera é o mesmo que uma agressão, logo, justifica a lâmpada quebrada na cara.
Não há por que se espantar com a declaração. O cara é advogado, e todos sabemos que até o pior dos criminosos tem direito a defesa.
Mas eis que, dias depois, surge na TV o vídeo gravado por uma câmera de segurança mostrando que a vítima sequer havia percebido a existência de seu agressor até levar a lâmpada na cara.
Diante disso, o doutor Orlando se retirou do caso.
Não havia mais a suposta cantada. Era como se, num caso de estupro, de repente descobrissem que a vítima estava de calças compridas largas e paletó, e não de minissaia e top.
Não havia mais como culpar a vítima.
Poucas horas depois da lâmpada estourar no jovem paulistano, um carioca que celebrava a Parada Gay entre amigos foi agredido, ofendido e, por fim, baleado por um sargento do Exército no Arpoador.
O rapaz fez a denúncia. Qual a primeira atitude do Comando Militar do Leste?
Divulgar uma nota negando a mais remota hipótese de o crime ter partido de um militar.
Não mando em ninguém além de mim mesmo, mas fico me imaginando se tivesse poder e responsabilidade sobre outras criaturas.
Digamos, se fosse dono de um galinheiro. O vizinho vem me dizer que uma de minhas galinhas ciscou no terreiro dele, qual seria minha atitude?
Vou pedir pra ele esperar, vou ao galinheiro checar se as penosas estão todas no poleiro, bater um papo com elas, me certificar de que nenhuma delas andou pulando a cerca de noite.
O CML não se dá a esse trabalho. Nega antes de contar as galinhas.
Alguns dias depois, a vítima declarou em depoimento que o agressor usava uma farda azul.
O exército se apressou em soltar uma nota dizendo que ninguém usava farda azul e a imprensa on-line logo embarcou na onda:
“Exército desmente”,
“Exército contraria depoimento”.
O rapaz levou um tiro à noite, caramba! Mas antes de presumir que a vítima possa ter se confundido, preferiram tentar desacreditar o depoimento.
Quando finalmente o sargento foi preso e, confrontado com as provas, confessou o crime, o CML pediu desculpas?
Não, mas a subprefeitura da Zona Sul mandou fechar o parque Garota de Ipanema à noite porque ele vinha sendo usado “para a prática de atos libidinosos”.
Se atos libidinosos são praticados no parque e isso incomoda os moradores, que se passe o cadeado.
Mas o senso de oportunidade não poderia ter sido pior. Uma mulher é estuprada num estacionamento? Fecha o estacionamento.
O moleque levou um tiro e sofreu diversas agressões por parte de beócios fardados cujo soldo é pago pelos impostos dos pais dele.
E o grand finale é o parque ser fechado por “atos libidinosos”. Se isso não é culpar a vítima, eu não sei o que é.
Ressalva seja feita, em ambos os episódios a polícia se saiu bem tanto na condução da investigação quanto na lida com as vítimas.
Mas os ataques aconteceram na avenida Paulista e no Arpoador. E se tivesse acontecido igual, na periferia ou na favela?
Um dos argumentos mais comuns entre os opositores do PLC122 é que a dita lei que criminaliza a homofobia transformaria os gays em seres com proteção especial.
Na verdade, esse projeto de lei pouco faz além de equiparar a discriminação
por orientação sexual a outras — digamos — divisões humanas já amparadas por lei tais como gênero, procedência nacional e religião.
E na prática, esses dois episódios de violência provaram que há necessidade, sim, de proteção especial.
Quando um advogado abandona o caso porque não pode mais culpar a vítima, nada mais precisa ser dito sobre como o sistema vê a violência homofóbica.
E-mail para esta coluna:
jxbraga@gmail.com
Assinar:
Postar comentários (Atom)
assim, não é PL 122? PL de Projeto de Lei? Ou é Projeto de Lei Complementar? agora fiquei confuso!
ResponderExcluirOpa, Foxx! Vc sempre muito atento... Eu acho que é PLC 122/2006 (Projeto de Lei Complementar 122 de 2006), já que é um projeto para alterar (complementar) uma legislação que já existe. Onde eu costumo consultar (sites tipo ABGLT), eu encontro a sigla PLC... Enfim, continuo achando que é PLC. Abração!
ResponderExcluir