Bem, talvez esse seja o post mais diferente de toda essa série. E tem seu motivo de ser. Ele não é cômico, não é ameno. Porque ele é sobre o fim do meu casamento com a pessoa que aqui no blog ganhou o pseudônimo de Maridão.
Enquanto eu pensava em escrever sobre esse post, até questionei se deveria mudar o pseudônimo dele para outro mais "genérico" colocando uma qualidade dele em destaque, um detalhe pelo qual eu (e somente eu) o reconheceria em meio a tantos pseudônimos, mas entendi que não era esse o caminho. O que mais cabia a ele seria somente um pseudônimo e nenhum outro: Ex-Maridão. Por que? Porque realmente é o que ele representa na minha vida: alguém que foi um grande marido, um ótimo companheiro, um porto seguro, alguém que eu ajudei bastante, uma fonte de irritações e crescimento pessoal, alguém que se inscreveu na minha história, como um co-autor, enquanto a nossa história durou. Foram quase 6 anos.
Terminamos faz uns dois meses. Não publiquei antes pq tô sumido desse blog, num momento em que minha vida fora da blogosfera, no "mundo real", clama por muito mais atenção. Qual foi o motivo do término? Bem, acredito que tem todo um processo envolvido... A gente tentou acertar por diversas vezes nossos ponteiros, mas temos algumas diferenças que dificultam o compartilhamento de uma vida. Rolou atritos, como acontece com qualquer casal (veja a maioria destes posts pra relembrar) e outros mais sérios. Eu cedi e mudei meus planos de vida em nome do relacionamento e, ao mesmo tempo, não senti que havia planos em comum. Sentia que havia uma caminhada que era lado a lado, mas que poderia ser perfeitamente individual e isso não faria diferença nos "planos". Tivemos nossas diferenças em preferências sexuais, o que também ajudou a resfriar um pouco a coisa. Mas talvez o que mais pesou é que somos pessoas com disposições à mudanças muito diferentes, principalmente, em ritmos diferentes.
Minha vida é movida num sentimento de tentar ser cada dia uma pessoa melhor do que já fui. E eu encaro isso num ritmo frenético e numa direção bem determinada. Já ele acha o crescimento pessoal importante, mas tem naturalmente uma dificuldade com mudanças e, por isso, não muda no mesmo ritmo frenético que eu, nem tem uma direção bem definida. Quando comecei a questionar meu gênero, comecei um processo de libertação pessoal. Mas começou a ficar claro que eu estava também alcançando um limite dele: eu estava me afastando muito do ideal de pessoa que ele tem para ter um relacionamento amoroso. Ele não quer, como um companheira para si, uma pessoa de gênero fluido, nem uma mulher, nem nada que remeta ao feminino. Ele é gay, não tem problemas para se relacionar com pessoas efeminadas, mas não gosta (no sentido de "não ter gosto por") do feminino em suas relações amorosas (amor eros). E eu, cada vez mais, incluo não só o feminino, mas outras expressões de gênero que diluem um pouco o masculino em mim. E, mesmo que minha expressão de gênero seja algo variável (já que eu tenho uma fluidez no gênero), os momentos em que ela se aproxima do feminino o incomodam muito (pois, segundo ele, isso diminui o desejo sexual dele por mim). Contudo, apesar de ter sua importância, toda essa questão de eu estar questionando o meu gênero foi só a gota d'água de um processo de afastamento que já estava acontecendo pelo simples fato de sermos pessoas diferentes.
Como fiquei com isso? Claro que não foi fácil lidar com o término, mas algumas coisas ajudaram. Além do meu pé no chão de não acreditar nesse amor vendido pelas novelas da TV e pelas princesas da Disney, a principal delas foi perceber que essa era a melhor decisão a ser tomada. Era melhor que cada um seguisse sua vida que continuar insistindo em algo que apenas traria atritos crescentes e desgaste emocional para ambos.
Conversamos, chegamos num consenso e foi isso. Continuamos amigos, sem mágoas. Estamos ainda no processo de "descasar", fechando contas conjuntas, separando dependências em planos de saúde, indo à justiça para declarar o fim da união estável registrada em cartório, eu dormindo no quarto de hóspedes enquanto não consigo me organizar financeiramente para ter minha própria residência (como eu não estava esperando a separação, tenho algumas dívidas que me impedem de contrair novas dívidas financeiras e me falta o básico para ter minha própria casa - mobília, adiantamento do aluguel, etc. - e isso coincidiu com problemas financeiros relacionados ao trabalho)...
Estamos os dois tentando superar o término da forma mais madura possível e até isso me enche de orgulho. Realmente foi um relacionamento construído com muito respeito e motivos para se orgulhar. Ele foi, durante muito tempo, o homem da minha vida. Mas agora minha vida tem essa companhia a menos, ao mesmo tempo em que surge novamente a figura do amigo que éramos antes do início do relacionamento. Assim, eu sigo em frente firme, tanto pelas bases sólidas do passado (e a isso eu devo muito a esse relacionamento) quanto pela minha força e determinação em seguir em frente e chegar onde quero...
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A gente sabe que é amor quando... houve cuidado e respeito o suficiente para que o término fosse respeitoso e que não se precisasse "virar inimigos" para entender que cada um deve seguir seus caminhos...
segunda-feira, 23 de novembro de 2015
segunda-feira, 5 de outubro de 2015
A quem interessa o apagamento dos bissexuais e da bifobia???
Ai a gente vai lendo coisas pela internet e cai num texto que se chama "Não existe bifobia". Confesso: quase não consegui lê-lo todo! A vontade de vomitar era forte demais! Cada coisa horrorosa escrita, que dava vontade de cortar os pulsos e desistir da humanidade!
Eu poderia repudiar cada caractere deste texto, mas vou me concentrar no cerne do seu título e no pressuposto que tenta manter de pé a ideia por ele defendida:
Pensando dessa forma... Existe sim, bifobia, da mesma forma que existem as outras opressões citadas. E vou combater esse mito que quer destruir o conceito de bifobia com minha argumentação abaixo.
Bifobia é um sistema no qual pessoas monossexuais são consideradas hierarquicamente superiores às bissexuais. Uma prova disso é o privilégio que elas têm de fazer um texto falando sobre uma opressão que elas não vivenciam e neste texto reduzir bissexuais a meros vetores de DSTs, desumanizando-as. Ou seja, hierarquicamente, a voz de monossexuais sobre as vivências bissexuais é mais valorizada. Aí vão me dizer: "Ah, mas foi uma pessoa bi quem escreveu o texto". E não existem mulheres escrevendo textos com conteúdos machistas, defendendo ideias machistas por aí? Pois pra mim é a mesma coisa: a voz monossexual se faz tão forte que domina o discurso até de algumas pessoas bissexuais. A própria transformação das pessoas bissexuais em "vetor de DSTs" é uma forma de hieraquização: lésbicas = "mulheres limpinhas", higiênicas, saudáveis > (maior que, ou "melhor que") mulheres bissexuais = "mulheres sujas", não-higiênicas, portadoras de doenças.
Bifobia é um sistema de exploração no qual pessoas monossexuais são beneficiadas pela violência que nos acometem. Para pessoas heterossexuais cis, somos apenas mais um grupo a se considerar como subalterno, o qual se pode condenar a ameaças como possibilidade de demissão de emprego e, devido ao medo de ficar sem nenhum emprego, obrigar a pessoa a receber salários menores (ver estudos feitos em 2001, 2004 e 2008 por Plug e Berkhout, nos quais se aponta que na Holanda, lésbicas tendem a ganhar 4% a mais que mulheres bissexuais - http://goo.gl/a0Xmkz ), além de possibilitar negligência da atenção governamental em políticas públicas que atendam as nossas especificidades. Para pessoas monossexuais que não são heterossexuais cis, somos um grupo dentro da comunidade LGBT (olha, tem um "b" ali! o que ele significa?) que serve apenas como "massa de manobra'. Engrossamos o coro que traz benefícios específicos para a população "L", "G" (principalmente) e "T", mas pra gente mesmo nada é feito. Pq "bissexuais não existem" mesmo, né? "É só uma fase"... E nem sofrem opressão de verdade!!! Opressão de verdade é só homofobia e machismo. Lesbofobia é estilhaço de machismo, seguindo a mesma lógica. Transfobia é estilhaço de homofobia e/ou machismo. Bifobia então... é uma coleção de estilhaço! Tudo é só estilhaço! Como se a solidão de pessoas bissexuais que existe por conta da famosa frase "namorar pessoa bissexual? Vai que essa pessoa me troca por alguém de outro gênero" não beneficiasse as sexualidades monossexuais. Olha aí as lésbicas se beneficiando por tirar as mulheres bissexuais da "concorrência"! Olha aí os gays se beneficiando por tirar os bissexuais da "concorrência"! Usam nossa identidade pra agregar em seu grupo mais poder político e depois se sentem no direito de dizer que não sofremos opressões e que somos pessoas menos dignas de confiança (Pq não somos capazes de manter um relacionamento monogâmicos e, na verdade, somos meros "vetores de DSTs")!!! Mas isso não é exploração... a gente só sofre coisinhas bestas e reclama por puro mimimi...
Bifobia é um sistema de segregação, no qual pessoas bissexuais são condenadas à invisibilidade e discriminadas dentro de espaços LGBTs e também fora dele! Não há espaço para bissexuais terem voz ativa, se não no gueto bissexual! Até o fato da sociedade não imaginar que um casal composto por um homem e uma mulher pode ser composto por uma ou duas pessoas bissexuais já é sintomático da invisibilidade que sofremos! Essa invisibilidade nos segrega, destrói nossa auto-estima e permite ao governo não pensar em políticas públicas para nós! Quando uma lésbica decide não se relacionar com uma mulher bissexual, ela não está nos segregando, mas apenas "tentando preservar sua integridade física e emocional"!!! Uma frase tão higienista usada como escudo para mascarar a bifobia gritante! Enquanto isso, pesquisas sugerem que a saúde psicológica de mulheres bissexuais é que deveria ser alvo de preocupações de quem pretende "preservar alguma integridade emocional" ( http://goo.gl/m0m8LY ).
Bifobia é um sistema de degradação e subjugo, claramente perceptível nos relatos acima. Nos degrada também ao nos colocar numa condição de ter a sexualidade sistematicamente questionada, deslegitimada (o que acontece até com a opressão que sofremos - "Bifobia não existe!"). Nos degrada na hipersexualização da pessoa bissexual. Nos degrada e nos subjuga quanto nosso Movimento e os conceitos que usamos para nossa luta política são deslegitimados (como se fosse tudo "mera invenção e devaneio"), afinal é retirada de nós até nossa autonomia de compreender as nossas próprias vivências! Somos menos capazes de fazer uma análise do que vivemos, é isso? Se não fosse um sistema de degradação e subjugo, como explicar o fenômeno revelado por um artigo em que, estatiticamente, fica evidente que mulheres bissexuais experienciam taxas mais elevadas de violência por parte dxs parceirxs e de violação em relação a mulheres lésbicas e hetero e que homens bisexuais tambem reportam mais violência sexual (http://goo.gl/9TNrwW)?
Assim como pessoas brancas tendem a dizer que racismo não existe, homens tendem a não enxergar o machismo, monossexuais tentam dizer que bifobia não existe e muitos bissexuais reproduzem essa ideia!
A quem interessa que se consolide a ideia de que bifobia não existe? Quem são as vozes que querem destruir esse conceito poderoso? Fica a sugestão de leitura: Bifobia: um conceito legítimo – e potente!
Poderia dizer muito mais, contudo teria que me delongar demais. Fiquemos por aqui!
Eu poderia repudiar cada caractere deste texto, mas vou me concentrar no cerne do seu título e no pressuposto que tenta manter de pé a ideia por ele defendida:
"Uma “fobia social”, no sentido em que enquadramos racismo, homofobia, misoginia, depende da EXISTÊNCIA DE UM SISTEMA HIERÁRQUICO E/OU DE CLASSE, BASEADO NA EXPLORAÇÃO, SEGREGAÇÃO, DEGRADAÇÃO E SUBJUGO DE UM GRUPO DE PESSOAS. Isso não existe em relação a pessoas bissexuais."
Pensando dessa forma... Existe sim, bifobia, da mesma forma que existem as outras opressões citadas. E vou combater esse mito que quer destruir o conceito de bifobia com minha argumentação abaixo.
Bifobia é um sistema no qual pessoas monossexuais são consideradas hierarquicamente superiores às bissexuais. Uma prova disso é o privilégio que elas têm de fazer um texto falando sobre uma opressão que elas não vivenciam e neste texto reduzir bissexuais a meros vetores de DSTs, desumanizando-as. Ou seja, hierarquicamente, a voz de monossexuais sobre as vivências bissexuais é mais valorizada. Aí vão me dizer: "Ah, mas foi uma pessoa bi quem escreveu o texto". E não existem mulheres escrevendo textos com conteúdos machistas, defendendo ideias machistas por aí? Pois pra mim é a mesma coisa: a voz monossexual se faz tão forte que domina o discurso até de algumas pessoas bissexuais. A própria transformação das pessoas bissexuais em "vetor de DSTs" é uma forma de hieraquização: lésbicas = "mulheres limpinhas", higiênicas, saudáveis > (maior que, ou "melhor que") mulheres bissexuais = "mulheres sujas", não-higiênicas, portadoras de doenças.
Bifobia é um sistema de exploração no qual pessoas monossexuais são beneficiadas pela violência que nos acometem. Para pessoas heterossexuais cis, somos apenas mais um grupo a se considerar como subalterno, o qual se pode condenar a ameaças como possibilidade de demissão de emprego e, devido ao medo de ficar sem nenhum emprego, obrigar a pessoa a receber salários menores (ver estudos feitos em 2001, 2004 e 2008 por Plug e Berkhout, nos quais se aponta que na Holanda, lésbicas tendem a ganhar 4% a mais que mulheres bissexuais - http://goo.gl/a0Xmkz ), além de possibilitar negligência da atenção governamental em políticas públicas que atendam as nossas especificidades. Para pessoas monossexuais que não são heterossexuais cis, somos um grupo dentro da comunidade LGBT (olha, tem um "b" ali! o que ele significa?) que serve apenas como "massa de manobra'. Engrossamos o coro que traz benefícios específicos para a população "L", "G" (principalmente) e "T", mas pra gente mesmo nada é feito. Pq "bissexuais não existem" mesmo, né? "É só uma fase"... E nem sofrem opressão de verdade!!! Opressão de verdade é só homofobia e machismo. Lesbofobia é estilhaço de machismo, seguindo a mesma lógica. Transfobia é estilhaço de homofobia e/ou machismo. Bifobia então... é uma coleção de estilhaço! Tudo é só estilhaço! Como se a solidão de pessoas bissexuais que existe por conta da famosa frase "namorar pessoa bissexual? Vai que essa pessoa me troca por alguém de outro gênero" não beneficiasse as sexualidades monossexuais. Olha aí as lésbicas se beneficiando por tirar as mulheres bissexuais da "concorrência"! Olha aí os gays se beneficiando por tirar os bissexuais da "concorrência"! Usam nossa identidade pra agregar em seu grupo mais poder político e depois se sentem no direito de dizer que não sofremos opressões e que somos pessoas menos dignas de confiança (Pq não somos capazes de manter um relacionamento monogâmicos e, na verdade, somos meros "vetores de DSTs")!!! Mas isso não é exploração... a gente só sofre coisinhas bestas e reclama por puro mimimi...
Bifobia é um sistema de segregação, no qual pessoas bissexuais são condenadas à invisibilidade e discriminadas dentro de espaços LGBTs e também fora dele! Não há espaço para bissexuais terem voz ativa, se não no gueto bissexual! Até o fato da sociedade não imaginar que um casal composto por um homem e uma mulher pode ser composto por uma ou duas pessoas bissexuais já é sintomático da invisibilidade que sofremos! Essa invisibilidade nos segrega, destrói nossa auto-estima e permite ao governo não pensar em políticas públicas para nós! Quando uma lésbica decide não se relacionar com uma mulher bissexual, ela não está nos segregando, mas apenas "tentando preservar sua integridade física e emocional"!!! Uma frase tão higienista usada como escudo para mascarar a bifobia gritante! Enquanto isso, pesquisas sugerem que a saúde psicológica de mulheres bissexuais é que deveria ser alvo de preocupações de quem pretende "preservar alguma integridade emocional" ( http://goo.gl/m0m8LY ).
Bifobia é um sistema de degradação e subjugo, claramente perceptível nos relatos acima. Nos degrada também ao nos colocar numa condição de ter a sexualidade sistematicamente questionada, deslegitimada (o que acontece até com a opressão que sofremos - "Bifobia não existe!"). Nos degrada na hipersexualização da pessoa bissexual. Nos degrada e nos subjuga quanto nosso Movimento e os conceitos que usamos para nossa luta política são deslegitimados (como se fosse tudo "mera invenção e devaneio"), afinal é retirada de nós até nossa autonomia de compreender as nossas próprias vivências! Somos menos capazes de fazer uma análise do que vivemos, é isso? Se não fosse um sistema de degradação e subjugo, como explicar o fenômeno revelado por um artigo em que, estatiticamente, fica evidente que mulheres bissexuais experienciam taxas mais elevadas de violência por parte dxs parceirxs e de violação em relação a mulheres lésbicas e hetero e que homens bisexuais tambem reportam mais violência sexual (http://goo.gl/9TNrwW)?
Assim como pessoas brancas tendem a dizer que racismo não existe, homens tendem a não enxergar o machismo, monossexuais tentam dizer que bifobia não existe e muitos bissexuais reproduzem essa ideia!
A quem interessa que se consolide a ideia de que bifobia não existe? Quem são as vozes que querem destruir esse conceito poderoso? Fica a sugestão de leitura: Bifobia: um conceito legítimo – e potente!
Poderia dizer muito mais, contudo teria que me delongar demais. Fiquemos por aqui!
quarta-feira, 23 de setembro de 2015
Um dia pra se ter visi-BI-lidade
Hoje, dia 23 de Setembro é o Dia da Visibilidade e do Orgulho Bissexual!
Além de sofrermos com os já conhecidos ataques e violências homofóbicas/lesbofóbicas/transfóbicas, nós bissexuais sofremos tipos de violências e discriminações específicas baseadas na bifobia.
Só para você ter ideia do que vivenciamos:
1) APAGAMENTO DA NOSSA EXISTÊNCIA:
Até hoje, muitas pessoas acreditam que as identidades relacionadas às orientações sexuais se resumem em "hetero" OU "gay". Desta forma, várias orientações sexuais não monossexuais (incluindo a bissexual) ficam invisibilizadas (não somente fora, mas também dentro do Movimento LGBT). E ser invisível para a sociedade traz consequências catastróficas, como a diminuição da própria autoestima, a não preocupação por parte governamental de nossas demandas específicas em saúde, legislação, etc.
2) DESLEGITIMAÇÃO DE NOSSA SEXUALIDADE:
Pessoas que possuem privilégios monossexuais (ou seja, que se sentem atraídas por somente um gênero e, por isso, não questionam as normas monossexistas da sociedade) sentem-se no direito de questionar ou "pedir provas" da nossa sexualidade, ou ainda afirmar que ela não existe. Por isso, estamos sempre ouvindo que nossa sexualidade “é só uma fase”, ou que “bissexuais não existem”, ou ainda nos vemos obrigados a ter que provar que “ainda” somos bissexuais a cada início/fim de relacionamento, dentre outras formas de deslegitimação da nossa sexualidade. Isso reforça o apagamento da nossa existência (trazendo suas consequências negativas).
3) ESTIGMATIZAÇÕES COM PRECONCEITOS DESCABIDOS:
(A) Existe o estigma da incapacidade da pessoa bissexual ter um relacionamento estável, traduzido naquela frase: "vai que elx me troca por outrx...". Como se heteros ou homos não pudessem também "trocar vc por outrx"!!! Não jogue a SUA INSEGURANÇA e o SEU PRECONCEITO na conta da capacidade de uma pessoa bissexual ter ou não um relacionamento estável, ok? Somos tão capazes de fazê-lo quanto qualquer pessoa, se for o que desejamos para nossas vidas!
(B) Existe o estigma da hipersexualização da pessoa bissexual, como se fôssemos máquinas de fazer sexo com tudo e todos, apagando o restante das nossas características e sentimentos, nos desumanizando, afinal. Nem toda pessoa bissexual quer "experimentar todas as possibilidades" (nem fazer sexo a três ou grupal envolvendo mais de um gênero). Assim como nem todas as pessoas que se atraem apenas por um gênero querem "ficar" com todas as pessoas daquele gênero, nós não necessariamente queremos vivenciar todas as possibilidades sexuais disponíveis. Quando se trata de uma pessoa bissexual negra, aí a hipersexualização é ainda maior, devido à soma bifobia + racismo...
(C) Existe um estigma muito nojento, de tão preconceituoso que ele é, de que bissexuais são os grandes disseminadores de HIV e AIDS. Essa crença existe por conta da hipersexualização das pessoas bissexuais, pelo preconceito de que todas as pessoas bissexuais fazem sexo desprotegido (ou desconhecem formas de prevenção ao HIV/AIDS) e pelo "esquecimento" das vias de contaminação pelo HIV, que não sexuais (compartilhamento de material perfurocortante com sangue contaminado, transfusão sanguínea com sangue não devidamente testado, etc.).
4) FETICHIZAÇÃO DA MULHER BISSEXUAL:
Na nossa cultura machista, uma mulher bissexual é vista apenas como objeto de satisfação do desejo sexual masculino. Muitos homens coagem suas parceiras bissexuais a participar de "sexo a três" com outra mulher, ignorando se este é um desejo dela também. Não é a toa que a taxa de estupro entre mulheres bissexuais nos EUA (por exemplo) seja praticamente o dobro das mulheres heterossexuais: http://goo.gl/gvyYWY
5) DANOS PSICOLÓGICOS CAUSADOS PELA BIFOBIA:
Um novo estudo publicado em 14/01/2015 na revista científica “Journal of Public Health” sugere que as mulheres bissexuais sofrem mais problemas de saúde mental do que as lésbicas. A pesquisa sugere que, em relação às mulheres lésbicas, as bissexuais têm 64% mais chance de enfrentar distúrbio alimentar, probabilidade 37% maior de sofrer com automutilação e estão 26% mais propensas a sofrer com quadros de depressão. Isso é um indício do quanto a bifobia pode gerar estragos psicológicos na vidas das pessoas bissexuais. http://goo.gl/m0m8LY
6) DESLEGITIMAÇÃO DE NOSSAS VIVÊNCIAS E DO NOSSO MOVIMENTO SOCIAL:
Muitas pessoas monossexuais se acham no direito de definir o que é a bissexualidade, passando por cima das nossas vivências e do nosso movimento social. Quem, melhor que os bissexuais, para definir o que sente uma pessoa bissexual? Contudo monossexuais continuam insistindo em querer determinar que "só é bissexual a pessoa que se sente atraída igualmente por homens e mulheres". Além de desrespeitar nossas vivências, estas pessoas reforçam a ideia de que bissexualidade está ligada a uma visão binária de gênero (homem/mulher). O próprio movimento bissexual já definiu que bissexualidade é a atração por mais de um gênero, não importando se estes gêneros são binários ou não. Tem monossexual que se sente no direito de passar por cima da definição do Movimento Bissexual e definir a bissexualidade em nosso nome, dizendo que o prefixo "bi' significa "dois" e, portanto, temos uma visão binarista de gênero. São pessoas que tentam fazer sua bifobia valer usando um escudo linguístico, como se a língua fosse uma ciência exata e "cavalos marinhos" tivessem pêlos, quatro patas com cascos, comessem grama/capim/similares, fossem mamíferos e vivessem no mar (oceano já não vale!)... Nem tudo na língua é tão "ao pé da letra" assim! Não use sua bifobia de forma tão irracional!
Enfim, estas são algumas de nossas demandas específicas. Estamos na luta por um mundo mais diverso, com mais respeito e menos opressões!
EXISTIMOS E RESISTIMOS!!!!
“Esta postagem faz parte da blogagem coletiva bissexual do Bi-sides para comemorar o 23 de setembro, dia internacional da visibilidade bissexual – http://www.bisides.com/2015/09/08/blogagem-coletiva-bissexual-23-de-setembro-de-2015 "
Além de sofrermos com os já conhecidos ataques e violências homofóbicas/lesbofóbicas/transfóbicas, nós bissexuais sofremos tipos de violências e discriminações específicas baseadas na bifobia.
Só para você ter ideia do que vivenciamos:
1) APAGAMENTO DA NOSSA EXISTÊNCIA:
Até hoje, muitas pessoas acreditam que as identidades relacionadas às orientações sexuais se resumem em "hetero" OU "gay". Desta forma, várias orientações sexuais não monossexuais (incluindo a bissexual) ficam invisibilizadas (não somente fora, mas também dentro do Movimento LGBT). E ser invisível para a sociedade traz consequências catastróficas, como a diminuição da própria autoestima, a não preocupação por parte governamental de nossas demandas específicas em saúde, legislação, etc.
2) DESLEGITIMAÇÃO DE NOSSA SEXUALIDADE:
Pessoas que possuem privilégios monossexuais (ou seja, que se sentem atraídas por somente um gênero e, por isso, não questionam as normas monossexistas da sociedade) sentem-se no direito de questionar ou "pedir provas" da nossa sexualidade, ou ainda afirmar que ela não existe. Por isso, estamos sempre ouvindo que nossa sexualidade “é só uma fase”, ou que “bissexuais não existem”, ou ainda nos vemos obrigados a ter que provar que “ainda” somos bissexuais a cada início/fim de relacionamento, dentre outras formas de deslegitimação da nossa sexualidade. Isso reforça o apagamento da nossa existência (trazendo suas consequências negativas).
3) ESTIGMATIZAÇÕES COM PRECONCEITOS DESCABIDOS:
(A) Existe o estigma da incapacidade da pessoa bissexual ter um relacionamento estável, traduzido naquela frase: "vai que elx me troca por outrx...". Como se heteros ou homos não pudessem também "trocar vc por outrx"!!! Não jogue a SUA INSEGURANÇA e o SEU PRECONCEITO na conta da capacidade de uma pessoa bissexual ter ou não um relacionamento estável, ok? Somos tão capazes de fazê-lo quanto qualquer pessoa, se for o que desejamos para nossas vidas!
(B) Existe o estigma da hipersexualização da pessoa bissexual, como se fôssemos máquinas de fazer sexo com tudo e todos, apagando o restante das nossas características e sentimentos, nos desumanizando, afinal. Nem toda pessoa bissexual quer "experimentar todas as possibilidades" (nem fazer sexo a três ou grupal envolvendo mais de um gênero). Assim como nem todas as pessoas que se atraem apenas por um gênero querem "ficar" com todas as pessoas daquele gênero, nós não necessariamente queremos vivenciar todas as possibilidades sexuais disponíveis. Quando se trata de uma pessoa bissexual negra, aí a hipersexualização é ainda maior, devido à soma bifobia + racismo...
(C) Existe um estigma muito nojento, de tão preconceituoso que ele é, de que bissexuais são os grandes disseminadores de HIV e AIDS. Essa crença existe por conta da hipersexualização das pessoas bissexuais, pelo preconceito de que todas as pessoas bissexuais fazem sexo desprotegido (ou desconhecem formas de prevenção ao HIV/AIDS) e pelo "esquecimento" das vias de contaminação pelo HIV, que não sexuais (compartilhamento de material perfurocortante com sangue contaminado, transfusão sanguínea com sangue não devidamente testado, etc.).
4) FETICHIZAÇÃO DA MULHER BISSEXUAL:
Na nossa cultura machista, uma mulher bissexual é vista apenas como objeto de satisfação do desejo sexual masculino. Muitos homens coagem suas parceiras bissexuais a participar de "sexo a três" com outra mulher, ignorando se este é um desejo dela também. Não é a toa que a taxa de estupro entre mulheres bissexuais nos EUA (por exemplo) seja praticamente o dobro das mulheres heterossexuais: http://goo.gl/gvyYWY
5) DANOS PSICOLÓGICOS CAUSADOS PELA BIFOBIA:
Um novo estudo publicado em 14/01/2015 na revista científica “Journal of Public Health” sugere que as mulheres bissexuais sofrem mais problemas de saúde mental do que as lésbicas. A pesquisa sugere que, em relação às mulheres lésbicas, as bissexuais têm 64% mais chance de enfrentar distúrbio alimentar, probabilidade 37% maior de sofrer com automutilação e estão 26% mais propensas a sofrer com quadros de depressão. Isso é um indício do quanto a bifobia pode gerar estragos psicológicos na vidas das pessoas bissexuais. http://goo.gl/m0m8LY
6) DESLEGITIMAÇÃO DE NOSSAS VIVÊNCIAS E DO NOSSO MOVIMENTO SOCIAL:
Muitas pessoas monossexuais se acham no direito de definir o que é a bissexualidade, passando por cima das nossas vivências e do nosso movimento social. Quem, melhor que os bissexuais, para definir o que sente uma pessoa bissexual? Contudo monossexuais continuam insistindo em querer determinar que "só é bissexual a pessoa que se sente atraída igualmente por homens e mulheres". Além de desrespeitar nossas vivências, estas pessoas reforçam a ideia de que bissexualidade está ligada a uma visão binária de gênero (homem/mulher). O próprio movimento bissexual já definiu que bissexualidade é a atração por mais de um gênero, não importando se estes gêneros são binários ou não. Tem monossexual que se sente no direito de passar por cima da definição do Movimento Bissexual e definir a bissexualidade em nosso nome, dizendo que o prefixo "bi' significa "dois" e, portanto, temos uma visão binarista de gênero. São pessoas que tentam fazer sua bifobia valer usando um escudo linguístico, como se a língua fosse uma ciência exata e "cavalos marinhos" tivessem pêlos, quatro patas com cascos, comessem grama/capim/similares, fossem mamíferos e vivessem no mar (oceano já não vale!)... Nem tudo na língua é tão "ao pé da letra" assim! Não use sua bifobia de forma tão irracional!
Enfim, estas são algumas de nossas demandas específicas. Estamos na luta por um mundo mais diverso, com mais respeito e menos opressões!
EXISTIMOS E RESISTIMOS!!!!
“Esta postagem faz parte da blogagem coletiva bissexual do Bi-sides para comemorar o 23 de setembro, dia internacional da visibilidade bissexual – http://www.bisides.com/2015/09/08/blogagem-coletiva-bissexual-23-de-setembro-de-2015 "
segunda-feira, 17 de agosto de 2015
Eu e meu gênero fluido
Desde pequeno, eu nunca me senti 100% do gênero masculino, nem 100% do gênero feminino. Eu era uma pessoa e só. Isso de menino ou menina, homem ou mulher não fazia importância, nem diferença, pra mim. Sabia que a sociedade me chamava de menino, mas isso era uma coisa que eles diziam a respeito de mim e não algo que eu declarava ser meu. Era como se me chamassem de humano, ou terráqueo: eram palavras que, no dia a dia, não fazia diferença prática na minha vida para me diferenciar das demais pessoas...
Quando eu tinha uns dois anos, eu abria o guarda-roupa da minha vó que guardava as roupas recém lavadas, mas ainda não passadas, e ficava brincando de me vestir com as roupas dos meus pais. Num dia, ela me viu vestindo uma calcinha da minha mãe, que eu achava linda. Era uma calcinha que tinha como estampa uma história em quadrinhos! E, pra mim, aquela peça de roupa era tão bonita e colorida quanto as minhas cuecas com estampas de desenho animado. Não entendi porque minha vó ficou tão brava comigo e disse que eu não podia me vestir com as roupas que não eram minhas. A partir deste dia, eu entrava escondido nesta parte do guarda-roupa e ficava lá trancado, me vestindo com as "roupas proibidas", aproveitando algum momento em que minha vó estivesse muito ocupada para que ela não me descobrisse.
Quando eu tinha 3 anos, meus pais me pegaram tirando a roupa e mostrando meu corpo pra um coleguinha (que tinha pedido pra me ver pelado). Não entendia muito bem como a vida funcionava e não via nada de errado nisso. Mas meus pais falaram pra mim que aquilo era errado e que eu não devia fazer, para não ser motivo de piadas pelas outras pessoas. Minha mãe dizia:
-"Eles vão te chamar de "mulherzinha"! Você vai gostar disso?"
E eu não respondia nada, pois não conseguia entender porque aquilo era algo ruim. Aliás, também não entendia o porquê de minha mãe, que era mulher, dizer que era ruim ser chamado de "mulherzinha"... Nada daquilo fazia sentido!
"Menino" e "menina" só passaram a fazer sentido pra mim depois que comecei a frequentar a escola. "Fila de meninos" x "Fila de meninas", "banheiro de meninos" x "banheiro de meninas", "cores de meninos" x "cores de meninas", "brincadeiras de meninos" x "brincadeiras de meninas" e tantas coisas do tipo me ensinaram que eu tinha que ficar do lado dos meninos e era completamente errado agir de forma diferente.
Aceitei essa imposição e agi no automático durante muito tempo, mesmo que, de vez em quando, alguém me acusasse de "ter jeito de menininha" ou ser "mulherzinha". A essa altura da vida, isso me incomodava porque me fazia sentir que eu não me encaixava no grupo que era "o certo pra mim" e nem pertencia ao "outro grupo" (e lá, eu também não encontraria abrigo). Eu, na verdade, estava isolado, fora dos grupos, sozinho, "diferente de todo mundo", sem alguém que compreendesse o que eu era ou sentia. Então, o que me restava era me esforçar ao máximo para aprender a ser menino, rapaz, homem. Porque aquilo era o certo a fazer.
Na adolescência, eu comecei a questionar a minha sexualidade, mas não meu gênero. Só no início da juventude (com meus 23, 25 anos), é que eu comecei a lançar olhos para esta minha questão. Eu perguntava a amigos mais próximos se eles sentiam, assim como eu, que o próprio gênero não era uma coisa estática, mas que ia variando ao longo do tempo. Eu explicava a eles que eu poderia me sentir um "homem pleno", em alguns dias, poderia me sentir com "gêneros intermediários entre homem e mulher" noutros, que eu, às vezes, me sentia pertencendo a "gêneros com características diferentes de homem, mulher ou algum intermediário disso"... Mais uma vez, meus amigos discordavam de mim, e diziam que isso não ocorria com eles. Mais uma vez, eu não me encaixava num grupo que era "o certo pra mim" e nem pertencia ao "outro grupo" (e lá, eu também não encontraria abrigo). Continuava isolado, fora dos grupos, sozinho, "diferente de todo mundo", sem alguém que compreendesse o que eu era ou sentia.
Somente, há um ano e meio, quando me aprofundei mais no conhecimento sobre orientação sexual e identidade de gênero é que li uma descrição sobre "gênero fluido", que é uma identidade de gênero trans não binária, e me identifiquei totalmente. Senti-me compreendido por alguém (a galera dos movimentos que discutem gênero me entendiam!), eu agora me encaixava num grupo, não estava mais sozinho!
Então, comecei a me permitir vivenciar essa fluidez, experimentar um pouco, "brincar" com minha expressão de gênero... Faz seis meses, comprei um vestido, uma blusa feminina, brincos, batons, esmaltes... As vezes uso tais vestimentas, mas sempre mesclando o quanto de masculino e feminino eu desejo expressar naquele momento (refletindo o meu estado interior). Daí, tem combinação de barba, batom e brinco; corpo tipicamente masculino de vestido; blusa feminina, esmalte, brincos, barba e coturno...
Não estou fazendo tais experimentações o tempo todo. Primeiro porque, às vezes, não me sinto num gênero que me faça ter vontade de usar algo diferente do meu vestuário habitual. O gênero fluido tem dessas complicações de não ser constante, né? Então, pra ser coerente com o que sinto, não posso fazer uma experimentação ostensiva, "full time". Tenho que respeitar o tempo do meu sentir, a fluidez do meu gênero. Outra razão é que decidi não vivenciar um processo completo de uma vez, porque não dá pra chegar no meu serviço (trabalho numa escola), pros meus familiares e outros setores da minha vida que teriam grande resistência a uma "mudança" sem que eu esteja em segurança do que eu quero e já pronto pra me defender dos ataques que, com certeza, virão. Eu, como toda pessoa, preciso de um tempo pra ir vivenciando meu desejo e fazer autodescobertas. E o que eu posso dizer é que esta fase está sendo muito divertida e feliz.
Quando eu tinha uns dois anos, eu abria o guarda-roupa da minha vó que guardava as roupas recém lavadas, mas ainda não passadas, e ficava brincando de me vestir com as roupas dos meus pais. Num dia, ela me viu vestindo uma calcinha da minha mãe, que eu achava linda. Era uma calcinha que tinha como estampa uma história em quadrinhos! E, pra mim, aquela peça de roupa era tão bonita e colorida quanto as minhas cuecas com estampas de desenho animado. Não entendi porque minha vó ficou tão brava comigo e disse que eu não podia me vestir com as roupas que não eram minhas. A partir deste dia, eu entrava escondido nesta parte do guarda-roupa e ficava lá trancado, me vestindo com as "roupas proibidas", aproveitando algum momento em que minha vó estivesse muito ocupada para que ela não me descobrisse.
Quando eu tinha 3 anos, meus pais me pegaram tirando a roupa e mostrando meu corpo pra um coleguinha (que tinha pedido pra me ver pelado). Não entendia muito bem como a vida funcionava e não via nada de errado nisso. Mas meus pais falaram pra mim que aquilo era errado e que eu não devia fazer, para não ser motivo de piadas pelas outras pessoas. Minha mãe dizia:
-"Eles vão te chamar de "mulherzinha"! Você vai gostar disso?"
E eu não respondia nada, pois não conseguia entender porque aquilo era algo ruim. Aliás, também não entendia o porquê de minha mãe, que era mulher, dizer que era ruim ser chamado de "mulherzinha"... Nada daquilo fazia sentido!
"Menino" e "menina" só passaram a fazer sentido pra mim depois que comecei a frequentar a escola. "Fila de meninos" x "Fila de meninas", "banheiro de meninos" x "banheiro de meninas", "cores de meninos" x "cores de meninas", "brincadeiras de meninos" x "brincadeiras de meninas" e tantas coisas do tipo me ensinaram que eu tinha que ficar do lado dos meninos e era completamente errado agir de forma diferente.
Aceitei essa imposição e agi no automático durante muito tempo, mesmo que, de vez em quando, alguém me acusasse de "ter jeito de menininha" ou ser "mulherzinha". A essa altura da vida, isso me incomodava porque me fazia sentir que eu não me encaixava no grupo que era "o certo pra mim" e nem pertencia ao "outro grupo" (e lá, eu também não encontraria abrigo). Eu, na verdade, estava isolado, fora dos grupos, sozinho, "diferente de todo mundo", sem alguém que compreendesse o que eu era ou sentia. Então, o que me restava era me esforçar ao máximo para aprender a ser menino, rapaz, homem. Porque aquilo era o certo a fazer.
Na adolescência, eu comecei a questionar a minha sexualidade, mas não meu gênero. Só no início da juventude (com meus 23, 25 anos), é que eu comecei a lançar olhos para esta minha questão. Eu perguntava a amigos mais próximos se eles sentiam, assim como eu, que o próprio gênero não era uma coisa estática, mas que ia variando ao longo do tempo. Eu explicava a eles que eu poderia me sentir um "homem pleno", em alguns dias, poderia me sentir com "gêneros intermediários entre homem e mulher" noutros, que eu, às vezes, me sentia pertencendo a "gêneros com características diferentes de homem, mulher ou algum intermediário disso"... Mais uma vez, meus amigos discordavam de mim, e diziam que isso não ocorria com eles. Mais uma vez, eu não me encaixava num grupo que era "o certo pra mim" e nem pertencia ao "outro grupo" (e lá, eu também não encontraria abrigo). Continuava isolado, fora dos grupos, sozinho, "diferente de todo mundo", sem alguém que compreendesse o que eu era ou sentia.
Somente, há um ano e meio, quando me aprofundei mais no conhecimento sobre orientação sexual e identidade de gênero é que li uma descrição sobre "gênero fluido", que é uma identidade de gênero trans não binária, e me identifiquei totalmente. Senti-me compreendido por alguém (a galera dos movimentos que discutem gênero me entendiam!), eu agora me encaixava num grupo, não estava mais sozinho!
Então, comecei a me permitir vivenciar essa fluidez, experimentar um pouco, "brincar" com minha expressão de gênero... Faz seis meses, comprei um vestido, uma blusa feminina, brincos, batons, esmaltes... As vezes uso tais vestimentas, mas sempre mesclando o quanto de masculino e feminino eu desejo expressar naquele momento (refletindo o meu estado interior). Daí, tem combinação de barba, batom e brinco; corpo tipicamente masculino de vestido; blusa feminina, esmalte, brincos, barba e coturno...
Não estou fazendo tais experimentações o tempo todo. Primeiro porque, às vezes, não me sinto num gênero que me faça ter vontade de usar algo diferente do meu vestuário habitual. O gênero fluido tem dessas complicações de não ser constante, né? Então, pra ser coerente com o que sinto, não posso fazer uma experimentação ostensiva, "full time". Tenho que respeitar o tempo do meu sentir, a fluidez do meu gênero. Outra razão é que decidi não vivenciar um processo completo de uma vez, porque não dá pra chegar no meu serviço (trabalho numa escola), pros meus familiares e outros setores da minha vida que teriam grande resistência a uma "mudança" sem que eu esteja em segurança do que eu quero e já pronto pra me defender dos ataques que, com certeza, virão. Eu, como toda pessoa, preciso de um tempo pra ir vivenciando meu desejo e fazer autodescobertas. E o que eu posso dizer é que esta fase está sendo muito divertida e feliz.
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