segunda-feira, 8 de junho de 2015

Tô na capa da revista! (mas com algumas distorções...)

Eis que, em janeiro de 2015, a Revista Galileu resolve fazer uma reportagem sobre a bissexualidade e colocou o assunto na capa da edição. Isso mesmo: matéria principal! Pra um grupo que, às vezes (pra não dizer muitas vezes), fica invisível até dentro da comunidade LGBT, isso já é um avanço enorme! Como eu não ficaria feliz com isso?

Fui ler. E, num primeiro momento, gostei. A empolgação por ganhar a visibilidade me fez relevar um monte de erros. Aliás, pra falar a verdade, eu achei que a matéria traria mais erros, mas ela foi até boa para os padrões que se vê fora da militância bi. Contudo, não dá pra se contentar com migalhas e não querer avançar, certo?

Assim, o blog "Bi-sides" publicou uma carta de repúdio, com diversas críticas à matéria, todas muito bem fundamentadas. Eu, muito mais limitado e desconhecendo no momento o texto do Bi-sides, fiz uma análise mais rasa na qual apenas me chamou atenção o fato da reportagem não desmistificar, de forma mais incisiva, essa coisa de gênero binário x bissexualidade, que é algo ainda problemático, além de não dar voz a casos de interseccionalidade entre bissexualidade e raça e uma ou outra bola fora gritante que o texto trouxe...

Outro ponto extremamente complicado que considerei logo em seguida à leitura foi a indução à fetichização da mulher bissexual. Fomentar essa ideia presente na reportagem de que a pessoa bissexual quer viver novas experiências e, portanto, a mulher bissexual "topa tudo, com todos, a toda hora" contribui para uma cultura de estupro, especialmente de mulheres bissexuais. Muitos acreditam nesse estereótipo e, por isso, acreditam que a mulher bissexual não tem o direito de dizer "não". E isso é extremamente perigoso! No Brasil, não existem pesquisas que nos permitam perceber o impacto dessa fetichização na população das mulheres bissexuais. Mas uma pesquisa de 2010 conduzida pelo CDC (órgão estadunidense que equivale ao nosso Ministério da Saúde) aponta que 46.1% das mulheres bissexuais (quase metade de todas as mulheres bissexuais) já foram estupradas. Isso nos permite fazer uma extrapolação e imaginar que o cenário para as mulheres bissexuais brasileiras não deve ser muito diferente...

Resumindo: no fim da leitura, havia em mim um misto de felicidade e preocupação com a publicação desta matéria.

Algum tempo depois, revisitando a versão digital da reportagem (disponível aqui), percebi que algumas correções foram feitas, após a publicação da nota de repúdio do Bi-sides. Mas muitos dos problemas do texto original continuam lá. Uma pena. Uma revista séria de divulgação científica não deveria se limitar a sensos comuns, reprodução de bifobia e erro crassos. Esperava por mais seriedade nesse tipo de trabalho.

6 comentários:

  1. Estas reportagens e pesquisas atuais sempre caem no descrédito justamente por eseta posição rasa com q abordam os assuntos ... no fundo só querem estar de acordo com o senso comum e vender matéria ... uma pena ...

    Beijão

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  2. Faz muito tempo que não leio esses tipos de revistas e alguns sites científicos.

    Falta um controle de revisão nos textos, faltam conhecimentos dos assuntos pelo redator, pesquisa do assunto e por ai vai. Muitas vzs, ou qse sempre uma revista é vendida pela capa e o conteúdo é limitado.

    Fora quando o veiculo de imprensa faz uma matéria com 2s intenções, com interesses de 3os e sem editoriais, as vzs é melhor que publicassem receita de bolo como faziam.

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  3. Quando leio alguma coisa que começa com “segundo novas pesquisas científicas...” já me coloco com um (talvez dois) pé atrás. A vida é tão mais complexa do que cabe nessas tais classificações! São tantas as variáveis envolvidas nos fatos, ainda mais em matérias humanas. Ainda mais no que se refere à sexualidade. E mesmo, será que é possível ser tão isento de preconceitos por parte dos pesquisadores? Abraços.

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    1. O problema é que, mesmo quando os pesquisadores reconsideram seus (pré)conceitos, pessoal da divulgação não faz o mesmo movimento...

      Abração!

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