quinta-feira, 9 de agosto de 2012

No espelho retrovisor, um Leão - III



Para ler os post anteriores dessa trilogia, clique aqui e aqui.

Tudo que é sólido desmancha no ar


O tempo havia passado e muita coisa havia mudado. A família que eu descrevi naquele primeiro relato tornou-se irreconhecível. Meus pais estavam cada vez mais envolvidos com o trabalho dentro da igreja católica, trabalhavam em casa e a situação financeira da família havia piorado muito. Apesar disso, a prioridade era a imagem de uma família perfeita e feliz. E, para manter essa imagem, minha família mantinha vários fatos em segredo. Tanto que grande parte das coisas que foram relatadas na primeira parte desta trilogia de posts eu só descobri depois de adulto porque uma tia me contou.

Eu era um jovem de 24 anos que havia assumido a sua sexualidade para os pais de uma forma tragicômica (pretendo escrever sobre isso depois). Minha avó havia falecido e muito de mim havia falecido também à mesma época. Eu fui demitido de um emprego em que eu estava há 6 anos, havia rompido um namoro de uma forma extremamente traumática e desagradável... Havia todo um conjunto de situações desfavoráveis que me levaram a uma depressão fortíssima.

Assim, eu voltei a viver na dependência financeira dos meus pais. Mas, para aquela família, que antes parecia tão "maluca" e hoje ostentava uma pose "tradicional" hipócrita (querendo aparentar ser uma família de comercial de margarina), eu era algo que deveria ser jogado sob o tapete para não manchar a honra da família. Meu  único irmão, aquele que não tem limites nem em sua agressividade, virou o queridinho da família, porque ele participava (e ainda participa) do jogo de aparências da minha família.

Pra mim, sobrou um tratamento de segunda classe, o desprezo, a sensação de ser a causa da vergonha alheia e um sentimento muito ruim. Não entendam que aqui há um mero ciúmes do meu irmão ter ocupado um lugar que já foi o meu. Isso, na verdade, me traz alívio, na medida em que eu abomino esse lugar em que eu me deixei ficar. A grande questão é como é lastimável ver as pessoas dizendo com todas as letras que eu, por ser quem sou, tenho menos valor que uma pessoa que encarna o papel de uma violência mascarada, mas que colabora com o jogo de aparências.

Foi por causa do preconceito que eu ouvi minha família dizer que tinha vergonha de mim, chegando ao ponto de meus pais afirmarem para mim que era melhor eu não ter nascido, exatamente como o meu pequeno amigo ouviu. Chegando ao ponto de eu ser expulso de casa (coisa que minha família faz questão de ocultar até hoje).

Este é o começo de uma história triste, que tem partes mais dolorosas, mas que eu ainda não consigo contar por aqui. Peço desculpas, à vocês e a mim, por terminar essa trilogia dessa maneira rasa, contudo não queria simplesmente abandonar o tema sem amarrar as pontas que deixei nas postagens anteriores. Quem sabe um dia eu estarei pronto para falar mais sobre isso, de uma forma mais serena...

21 comentários:

  1. Tranquilize-se meu querido. O que vc não disse aqui, nós podemos adivinhar.
    Se vc quiser e sentir necessidade nós o ouviremos, mas se for muito e vc resolver se calar... faça isso. Entenderemos também.
    Gostaria de agora estar perto e poder te abraçar de novo! Muito, muito apertado. Sinta-se assim e quando nos virmos de novo te darei esse abraço de conforto e afeição.
    Beijos meu lindo... vc é muito bem vindo em minha vida.

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  2. Bom Leão,

    Quando quebramos uma perna, um braço, qualquer osso, a dor é imensa!
    Por um tempo ficamos imobilizados. O osso cicatriza, voltamos a nos movimentar com desenvoltura, mas quando um dia de inverno se aproxima, aquele osso sarado, cicatrizado lembra a gente que um dia foi quebrado e uma pontinha daquela dor retorna a nossa lembrança!
    Falar dessa dor ajuda, e muito!
    Nos dá a chance de pensar e repensar como ela surgiu e o quanto dela ainda está viva dentro de nós e o quanto dela pode ser dor real ou dor imaginária!
    Algumas fraturas são sérias, outras nem tanto!
    O tamanho da dor só quem se "quebrou" é quem sabe!

    Um ABRAÇO CHEIO nesse coração de ouro e um beijo nesse rosto!

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    1. Olha, assim como a Margot fez, vc me deixou sem palavras! Obrigado pelo carinho em ouvir meu mimimi é a única coisa que consigo sintetizar sobre o que eu sinto lendo o comentário de vcs! ^^

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  3. um relato duro, tenso e sofrido mas q permite vislumbrar uma pessoa amadurecida a ponto de compreender e se fazer ... felizmente não sei o q é passar por isto mas com certeza vejo em vc um ser q deu a volta por cima e dará muitas outras ... querido, o passado se foi viver o presente com vistas no futuro é o que importa ... o resto é o resto mesmo ...

    bjão

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  4. ow amigo... desculpa, mas eu preciso te cutucar: não posso e não vou deixar vc desistir dessa série assim, vai te fazer bem, apesar de doloroso falar sobre isso, e acho q vc precisa fazer isso. pode saber q vou insistir pra vc continuar.

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    1. Foxx, meu bem, não vou seguir seu conselho não. Vc não sabe a dor que foi escrever essa última parte... Isso atrapalhou o andamento de tudo na minha vida. Basta vc ver pela ausência aqui no blog (e por aquilo que não foi mostrado, como as confusões que tive em todos os setores da minha vida enquanto tentava reunir todas as minhas energias pra cumprir esse missão de escrever sobre uma coisa que eu ainda não dou conta de falar).

      Vou fazer o que minhas forças permitem por agora. Tem tanta coisa pra resolver, pq vou começar por um trabalho que vai mais me frustrar que me render bons frutos? Vou me fortalecendo em outras pequenas coisas, ok?

      O mais importante é não ficar parado!

      Beijos!

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  5. Falar da dor ajuda, sem dúvida... mas até o ponto em que a dor que resulta desse ato compense a lembrança que conseguimos aliviar. Eu acredito em processos lentos. As nossas grandes tragédias se formaram lentamente e devem, assim penso, se diluir também lentamente, de acordo com nossos próprios ritmos internos.

    Abração procê! Força!

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    1. Exatamente, Cesinha! Vc resumiu minha resposta pro Foxx!

      Abração!

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  6. Um grande filósofo já disse “o que não se pode falar, deve se calar”... eu acrescentaria, até o momento em que o calar exija muito o falar, como alívio da alma. Vai no seu tempo... o mais importante é que pra você os fatos mais doloridos não estejam calados.

    Abração.

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  7. Amigo...

    Imagino o quão doido deve ter sido colocar essas letras "no papel"... mas tudo passa, ainda que dolorido, olhe o passado não com os olhos de quem revive tudo isso, mas com os olhos de que passou por aquilo e soube vencer tais momentos.

    No mais... concordo com o Cesinha... e quando precisar, estamos aqui para te ajudar, nem que seja para sentar e ficar olhando a vida passar em silêncio...

    Abração.

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    1. Eu fiquei um caco fazendo isso aqui, mas agora já está passando...

      As vezes a gente erra a mão em julgar aquilo que a gente dá conta ou não, né?

      Bora pra frente!

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  8. Aos poucos você vai conseguir expulsar o que ficou de ruim dentro de você. Não é preciso ter pressa. Bjos.

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  9. Não entendam que aqui há um mero ciúmes do meu irmão ter ocupado um lugar que já foi o meu. Isso, na verdade, me traz alívio, na medida em que eu abomino esse lugar em que eu me deixei ficar.

    Mas a gente, mesmo que não goste ou aprove, se acostuma com o sintoma. A gente se apega a ele porque ele exerce uma função, ajuda numa dificuldade. Com isso, mesmo não achando certo, a gente acaba virando amigo do sintoma. E não é fácil deixar os amigos irem...sofre-se. Um dia se descobre com o coração que não era amizade, mas escravidão. Até lá, a cabeça diz uma coisa e o coração, outra.

    Beijos, my lion

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    1. Eu sei, meu bem! A descoberta já foi feita e é por isso que estou livre desse papel a que eu me submetia... A dor vem de outras ofensas...

      Beijos!

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  10. Tudo que é sólido se desmancha no ar é muito Karl Marx eheheheheh

    Realmente uma história triste, mas as dificuldades da vida sempre nos fortalecem...
    Abraços

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    1. Realmente é uma referência a Karl Marx...

      E estou com vc nessa parada de "o que não me mata, me fortalece!"...

      Abraços!

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