quinta-feira, 29 de março de 2012
Sobre o rabo do macaco
O ano era 1999. Eu era um adolescente no meio de um festival de Rock daqui de Belo Horizonte e estava assistindo ao show dos Raimundos. Eles estavam lançando o CD de maior sucesso deles, o Só no Forévis, e levantavam um bocado de polêmica. Se eu não me engano, o quiproquó todo era porque algumas pessoas interpretaram a foto da capa do CD (acima) como sendo uma provocação preconceituosa aos pagodeiros (e a outras expressões musicais derivadas da cultura afrodescendente).
Assim, naquele show, o Rodolfo rebatia as críticas em nome dos Raimundos dizendo que, na verdade, a foto e o nome do álbum era uma homenagem ao Mussum, o famoso Trapalhão e um dos fundadores dos Originais do Samba. E arrematou com a seguinte conclusão: "Nós não temos nenhum preconceito contra pagodeiros. Nós sofremos preconceito porque somos roqueiros e quem sofre na pele qualquer discriminação tem a obrigação moral de não discriminar ninguém".
O Rodolfo nunca passou perto de ser meu guru espiritual, mas aquilo que ele disse e que foi aplaudido por mim e pela multidão presente naquele festival ficou marcado na minha mente. O fato é que, desde então, eu passei a notar com muito mais clareza a grande incoerência que são as atitudes de algumas pessoas que alegam sofrer discriminação, mas que não poupam munição para disparar na direção dos outros (que eles consideram como "inadequados").
São pessoas que se colocam numa posição "superior" capaz de, por exemplo, julgar o gosto alheio como mal gosto. Obviamente, partem do pressuposto de que o próprio gosto seja considerado "o" bom e que qualquer coisa diferente disso é "inadequada" ou "reprovável".
São pessoas escrotas que, muitas vezes, criticam exatamente aquilo que elas mesmas praticam e que não conseguem perceber que elas próprias alimentam aquilo que as destrói. Posso afirmar isso porque, particularmente, eu não conheço nenhum homem-heterossexual-cis-estadunidense-branco-loiro-dos-olhos-azuis-destro-rico-dono-do-maior-banco-do-mundo-famoso-do-pau-grande-e-tudo-mais. O que eu quero dizer é que, na minha humilde forma de conceber o mundo, acredito que a esmagadora maioria da população mundial (uns 99,999999999999999% das pessoas, eu diria) está bem longe de nunca correr o risco de ser discriminada pelo que é. Contudo, uma boa parte das pessoas se sente no direito de ter o seu preconceito e, a partir dele, classificar os outros como a escória. Não estou falando das pessoas que, como acredito ser "normal", tem o seu preconceito e tentam lidar com ele sem causar grandes estragos. Estou falando daqueles que parecem sentir prazer em alimentar ideias discriminatórias ou dos que não conseguem perceber o crime escondido em suas brincadeiras inocentes.
Num exemplo: quando alguém fala que funk é lixo, neste discurso está embutida a ideia de que "eu e a minha cultura somos superiores e o outro e sua cultura são o lixo". Eu fico me perguntando: porque não apenas dizer um "é algo de que eu não gosto", ou "isso não me agrada"? Seria, pelo menos, uma frase menos desagradável e menos pedante. Mas, ao contrário, essas pessoas resolvem escolher a agressão ao outro de forma gratuita e, às vezes, são as mesmas pessoas que mais se sentem no direito de se ofenderem ao serem vítimas de um estrangeiro xenofóbico que as maltrata numa viagem ao exterior, por exemplo. Não saber respeitar mas exigir respeito não dá, né?
Longe de me fazer de santo nessa história. Confesso que eu evito com todas as minhas forças viver essa incoerência. Sei que não dá pra ser um modelo de respeito ao outro com atitudes completamente coerentes, mas o quanto mais perto disso eu puder chegar, mais estarei em equilíbrio comigo mesmo e com o que acredito. Porém, a maior provação em relação a isso é que vez ou outra tenho que conviver com tais escrotos e posso dizer que não é nada tranquilo, pois é uma característica que não tem como eu ver em alguém e apenas deixar "passar batido".
Já tive raiva de pessoas assim. Hoje eu tenho dó. Porque, aos meus olhos, são pessoas tão insatisfeitas consigo mesmas que, para não se sentirem ainda mais inferiores do que se sentem, se apegam ao mais ínfimo degrau (muitas vezes ilusório) para se sentirem por cima e enganar a si mesmos a respeito da própria condição. São como aquele macaco do ditado que fala mal do rabo dos outros animais, enquanto está sentado em cima do seu para criar (apenas para si) o enganoso julgamento de uma perfeição inexistente.
Eu fico realmente espantado com a quantidade de energia mental desperdiçada nessa manobra torta para se sentir mais confortável. Essa energia poderia ser muito mais bem empregada em atitudes que combatam o preconceito - que é uma das raízes de seus sofrimentos. Realmente isso é algo difícil de compreender. Macacos me mordam!
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Pode aplaudir de pé???
ResponderExcluirPk merece... Esse meu carnaval, sempre foi minha bandeira... E to pra te dizer que uma porcentagem significativa de quem te ler (diria que mais de 70%) deveria se doer... Mas é claro que não vão.. Vão endossar, concordar, aplaudir e continuar procedendo da mesma forma... E por que???
Por que esse preconceito cultural é lícito, é aceito... Ng acha errado nego meter o malho no BBB, na Kelly Key, em Geyse Arruda.. É um preconceito “intelectualmente correto”... Nego me lê e deve achar que eu sou 100% trash.. Ledo engano, cresci ouvindo bossa nova e Caetano Veloso é o artista que tenho mais mp3... Qdo falo na defesa do Latino e similares, na verdade não estou defendendo eles, eu to falando é de idiossincrasia, alteridade e outros bichos. Não preciso falar em defesa de Bethania.
E no fundo esse, na minha opinião, é o preconceito mais perigoso mesmo, pk ele toca na vaidade das pessoas... Um padre da escola que estudava nos dizia que o pecado capital mais perigoso era o da vaidade, por que alguém pode ser vaidoso até por se achar “generoso demais”. Algumas das pessoas que admiro muito e acho inteligentíssimas vivem a arrotar essa arrogância intelectual... A academia é cheia disso, blogsville é cheio disso... Não há muita escapatória, na cultura ocidental onde mais importante que ser é parecer, não basta ser um intelectual, é necessário pisar na cabeça daqueles que não tiveram as mesmas oportunidades e acessos que vc, deixando assim bem claro o lugar que vc ocupa... Um lugar de superior.. De melhor!!!
Na verdade essa preconceito com aparente inocência, de inocente não tem nada, ele é uma das variações daquele que, mais uam vez na minha opinião, é o pior de todos os preconceitos... O de classe... Daí vem a constante tentativa de marcar posição, de deixar claro que não pertenço a um determinado lugar e dessa maneira mais do que criticar quem produz critica-se a grande massa que consome, a grande massa que num sistema injusto precisa existir com suas limitações de acesso para que nego possa ter oportunidades e por fim pise na sua cabeça.
Gato, sou seu fã!! É bem por aí o que eu penso mesmo...
ExcluirAbraços!!
não sei se pode aplaudir de pé
ResponderExcluirmas eu estou...
Nada! Tem que aplaudir não. Tem é que vir junto, andar lado a lado...
ExcluirAbraços!!
Tudo bem, no nível do racional você está coberto de razão (dá até pleonasmo... rsrs) . Eu não gosto de funk, por exemplo. Mas ninguém vive 24 horas por dia "no racional". E entre não gostar, deslizando para o "não politicamente correto" e propor uma lei proibindo o funk em todo território nacional tem uma boa distância, você não acha? Enfim, seu texto está ótimo. Como objetivo racional, temos mesmo que ser assim!
ResponderExcluirAbração.
Tem uma boa distância, sim! A mesma entre a muda de uma planta e a árvore adulta. Basta dar condições pra coisa crescer e...
ExcluirAbração!
Tem que ser macaco pra morder??? ( brincadeira claro).
ResponderExcluirPois então Sr. Cara Comum, acho que todas as coisas estão ai para que possamos escolher o que gostamos, que bom que não somos iguais. Todos nós temos nossos gostos, e assim como falamos que gostamos de tal estilo, temos o direito de não gostar. Quando gosto de algo digo "isso" é um luxo! é minha maneira extravagante de dizer que gosto muito quando não gosto digo "isso" é um lixo, mas não acho que estou sendo preconceituoso quando enfatizo não gostar de algo. Sobre pessoas, eu gosto do ser humano, mas nem sempre vou curtir os atos dele. quando alguém fala que funk é lixo, neste discurso está embutida a ideia de que "eu e a minha cultura somos superiores e o outro e sua cultura são o lixo". Estou muito longe de ser superior, e já entendi que pra uma pessoa ser culta ela tem que conhecer no mínimo 90 % de todas as culturas para que ela seja culta podendo falar sobre qualquer cultura com conhecimento de causa.
FER, precisa não. Pode morder, se quiser... kkkkkkkkkkkkk
ExcluirE pode ficar tranquilo: há formas e formas de dizer uma coisa. E o contexto também conta muito. Pelo seu comentário, vc dizer uma frase dessas do jeito que vc explicou, ganha outra conotação...
Abraços!
Gostar ou não gostar de uma coisa é um direito inerente a cada um ... mas respeitar e ser respeitado é uma obrigação ...
ResponderExcluirParabéns mais uma vez menino ... já te conheço um pouco e já percebi q temos uma maneira muito próxima de ver a vida como ela deve ser vista ...
bjão
Que legal, né, Bratz! É bem por aí mesmo!! Beijão!
ExcluirÉ perda de tempo falar de funk, que nem gênero musical é. E sim uma ofensa à nossa audição...
ResponderExcluirTem jeito??? Não tem não.. Qdo eu falo vc não acredita!!!
ExcluirÉ perda de tempo vc fazer um comentário desses aqui, Raphael Martins... Mas não maior perda de tempo que a gente ler seu comentário aqui...
ExcluirAh, Gato! Tô fazendo minha parte...
Excluirvc merece o nobel da paz, querido.. O NOBEL DA PAZ!!!
ExcluirNada... Eu mereço é um choque de realidade pra não ficar acreditando tanto na mudança alheia... rs
ExcluirEu escrevi um post q foi apagado (Caiu a net aqui). =/
ResponderExcluirSó queria dizer q: posso dar bjinho?
Pq já aplaudi tb. Rsrs.
Eu tb tenho dó dessa gente, mas não sou tão evoluído: tb tenho vontade de meter um tapa nessa gente de alma pequena e covarde (Cazuza lindo).
Um bjinho.
Beijinho vindo de vc, meu prisioneiro favorito!! Claro!!
ExcluirE vontade de sair dando tapas: quem não tem??
Beijos!
Será que eu tenho preconceito? Não sei... acho que não. Pode ser que quando eu esteja chateado eu diga alguma coisa. E se arrepender, resolve ou a gente precisa ser integro direto? Pelo menos eu tento, eu me esforço.
ResponderExcluirBeijão
Olha, o que eu acho o pior de tudo é se orgulhar da própria imbecilidade. Se a gente tá lutando pra ser melhor, pra mim já tá valendo!
ExcluirBeijão!
Bom esse o post tem respaldo naquele sobre a coerência...
ResponderExcluirEnfim concordo em gênero, número e grau.
É claro que nunca chegaremos a ser 100% coerentes, mas tentar ser um pouco mais não custa nada.Um pouco de reflexão, principalmente sobre os próprios atos não faz nenhum mal verdadeiro a ninguém.A não ser talvez tirar a pessoa da zona de conforto e isso para alguns é "um verdadeiro mal".
Parece que as pessoas têm preguiça de se perguntar os porquês das coisas e parece que isso começa na infância quando a criança chega naquela fase dos "porquês" e os pais impacientes cortam logo o barato, perdendo uma boa oportunidade de exercitar o seu próprio raciocínio e capacidade de reflexão.
A homofobia é um dos exemplos dessa preguiça.Nunca vi nenhum homofóbico que tenha analisado a questão da homossexualidade a fundo, eles sempre empacam em argumentos simplistas para apontá-la como algo errado como Deus criou o homem e a mulher, ou na reprodução.As vezes simplesmente dizem que é errado e pronto, têm aquele conceito engessado, não tem interesse em saber por que motivo pensam assim e acham que está tudo certo.
Exatamente. Pra mim, toda vez que alguém fica apenas no preconceito e deixa se limitar por ele (ou pior, usa dessa faceta para discriminar e agredir o outro), no fundo há uma preguiça de pensar no porque daquilo...
ExcluirAbraços, Thiago!
isto que você disse me remete a um fato que aconteceu dias desses no facebook quando uma mulher posta uma foto de uma criança com uma faca fazendo alusão que cortaria seu orgão genital. ela, no alto de sua superioridade achou que estava a rir da torcida adversária do seu clube. obvimente ninguém achou graça e ela foi obrigada a deletar a foto.
ResponderExcluiro que me chocou também foi o fato dela dizer que não viu nada demais na foto!
o preconceito está tão dentro dela que o horror já faz parte de seu cotidiano!
Pois é, Serginho querido... O preconceito atinge níveis absurdos... Uma lástima!
ExcluirNão acho que dizer que funk é lixo seja preconceito. É uma opinião, da mesma maneira que alguém pode achar e dizer que pagode é uma merda ou que rock é diabólico. Uma opinião negativa sobre algo invariavelmente vai machucar alguém. E o fato é que a gente TEM que ter opinião negativa sobre alguma coisa, pois somos seres críticos e avaliamos o que é bom e o que é ruim - e o que é ruim é para ser dito, debatido.
ResponderExcluirQue tal se eu mudar a frase para "toda música produzida no Brasil é lixo"?? Um preconceito sem tamanho, não?
ExcluirEu repito o que disse no texto: o problema não está no "não gostar", mas em dizer que "o gosto diferente do meu é algo digno de desprezo, assim como o lixo que tem que ser descartado e destruído pra não causar nenhum mal". Ou não é essa a ideia que se tem sobre o lixo?? Fazer essa associação é dizer isso nas entrelinhas...
E, mais uma vez, não critiquei o direito de se dizer sobre o "não gostar". Acredito que pode-se debater praticamente tudo, desde que a discussão seja feita de forma não ofensiva. Ao menos, é o que eu penso...
Abraços!!
Boa reflexão.
ResponderExcluirFato é que todos nós somos pequenos poços de preconceitos.
Escrotice mesmo é negar isso.
Valeu pelos comments, menino!
Abração!
Eu discordo em gênero , número e gral.. Escrotice mesmo é a ideia de que o preconceito é um caminho inevitável e uma vez detectando a única alternativa é o seu reconhecimento. Uma vez tendo conhecimento a cerca disso o que no mínimo podemos fazer é nos policiarmos, pk o preconceito que se da pela ignorância a gente até entende, agora o que se faz no conhecimento é complicado.
ExcluirFred, acho escrotice negar que se tem preconceito da mesma maneira que acho escrotice saber que se tem e não fazer nada a respeito (porque, de qualquer forma, essa é uma maneira de negar também, né?).
ExcluirDependendo do caso, acho até pior a pessoa que assume que tem preconceito, que sabe que está agindo preconceituosamente, mas que se acha superior o suficiente pra não ter que fazer nada a respeito...
Abrass!
Rapaz... o preconceito é uma coisa difícil da gente se livrar. Estou entre aqueles que você classificou de normal, pois sabe que o preconceito existe e luta internamente para não deixá-lo ditar o caminho. Falo de preconceito, mas deixo claro que não me refiro a raça, cor ou gênero. Desses graças aos céus e a muita observação e aceitação me vejo livre. Até porque na minha família temos todos os tipos, raças diferentes, somos multicoloridos e temos gêneros diversos. Mas ainda, e infelizmente, alguns tipos de música, danças..não me descem bem. Estou tentando aceitá-las ou pelo menos, não me manifestar a respeito.Tenho muito ainda a aprender e seu post vai me ajudar nisso. Gracias amigo.... beijos na nuca..rsrrsrsr
ResponderExcluirPois é, Margot. Eu tb tenho muito o que aprender... Nem ouso a dizer que estou livre de algum preconceito, sei lá. Não me sinto seguro. Mas já que a caminhada pode ser longa, quem sabe o caminho não me ensina, né?
ExcluirBeijos!
PS: esses seus beijos na nuca... ai!
Senti que sobrou no conceito e faltou no fundamento. Senti falta do que te levou a escrever sobre isso. No tocante ao conceito, você disse tudo. Assino em baixo.
ResponderExcluirO que me levou a escrever sobre isso? Ai, Junnior, tanta coisa... Foi uma conversa aqui, uma outra ali, um post lido aqui, um comentário ali... Eu vejo isso acontecer tanto no meu dia-a-dia. Colegas de trabalho dizem frases como "essas músicas dessa juventude de hoje são um lixo", vizinhos reclamam do som de outros vizinhos, amigos escrevem coisas similares em redes sociais...
ExcluirChegou num momento em que o texto simplesmente se concretizou. Já estava na lista do que eu queria escrever faz um bom tempo...
Abraços!!